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Em breve síntese, considerando a contribuição do progresso científico-filosófico para o Direito Penal, inicialmente postulou-se um classicismo jusntauralista como reflexo de um momento “pré-científico”, como alcunhado por positivistas. Com o advento do positivismo, buscou-se reforçar o caráter científico da ciência penal. O neokantismo, a seu turno, ampliou a limitada concepção positivista sobre o conceito de ciência, expandindo a noções de ciências culturais e do espírito com vistas a superar o excessivo formalismo do modelo predecessor. O finalismo, por fim, buscou superar o subjetivismo desencadeado pelo neokantismo, recorrendo aos objetos reais (MIR PUIG, 2003, p. 276-277).
Nesse contexto, se por um lado o método causal-naturalista, erigido com a escola clássica e aperfeiçoado pelas escolas positivas (notadamente com Franz Von Liszt) se revelou incapaz para solucionar muitas questões dogmático-penais, por outro, também convém postular uma necessária limitação ao relativismo subjetivista propugnado pelo neokantismo (MIR PUIG, 1997, p. 32). No decorrer do século XX, o pensamento ontológico finalista, capitaneado por Welzel, busca superar os entraves e críticas alinhavados a seus precursores ao conferir ênfase sobre a ação final do agente.
O pensamento funcionalista no último trintídio do século XX desponta em razão de críticas traçadas ao finalismo, cujo aspecto lógico-objetivo ainda se mostrava insuficiente para fazer frente a todas as questões dogmáticas. O grande mérito de Welzel foi reconhecido e incorporado: a consideração do elemento subjetivo (dolo) quando da análise típica da conduta. No entanto, foram tecidas diversas críticas sobre os resultados propugnados para os crimes culposos, omissivos, além da concepção de que diversos institutos jurídicos estavam circunscritos a “aspectos ontológicos imutáveis” (SOUZA, 2019, p. 110-111).
Isso porque, na opinião dos funcionalistas, a principal estrutura ontológica delineada por Welzel, qual seja, a ação final possui uma capacidade de limitação ao legislador – e, por via transversa, ao poder estatal – pouco significativa: não confere ferramentas para se delimitar o cerne da teoria do delito, vale dizer, quais ações finais devem ser consideradas ilícitos penais. Destarte, como aponta Mir Puig, a teoria da imputação objetiva, a partir de postulados político-criminais é dotada de maior potencial de delimitação normativa.[2] Logo, conforme expõe Schünemann (2001, p. 139), o finalismo superestima as conseqüências normativas de um dado ontológico, sobretudo na seara das ciências criminais, em que os princípios fundamentais do direito penal desempenham um papel central, porém são carecedores de conteúdo normativo.
Outro relevante fundamento para o desenvolvimento de teorias funcionalistas consistiu no avanço tecnológico sem precedentes verificado na segunda metade do século XX, o que culminou com a pulverização de fronteiras nacionais, o encurtamento de distâncias e a gerência de riscos não apenas derivados da natureza, mas da própria ação humana. A partir dessas verificações, que Ulrich Beck alcunhou de sociedade de risco, não se trata de postular a inexistência de riscos previamente a esse período (os riscos caminham e acompanham o desenvolvimento da humanidade), porém se reconhece uma nova fase impulsionada por avanços científicos marcada por impacto nas relações sociais de forma globalizada. Conforme pondera Beck (2011, p. 16): os riscos produzidos não mais se limitam a um âmbito fabril ou regional, mas apresentam uma característica inerentemente globalizada, de forma a superar fronteiras nacionais e acarretam ameaças supranacionais. Assim, emana-se uma lógica de distribuição e manejamento político e cultural dos riscos.
No entendimento de Merino Herrera (2018, p. 182), os riscos consistem em “consequências negativas evitáveis de certas decisões humanas”. Ocorre que certas inseguranças não se limitam espacialmente, transbordado fronteiras e inclusive gerações. Dessa forma, a ocorrência do dano é irreversível, inexistindo forma de compensá-lo retrospectivamente. Está a se falar de bens difusos, atinentes a riscos energéticos, informáticos, econômicos, ecológicos, e outros, frequentemente ligados a uma criminalidade organizada e transnacional (MERINO HERRERA, 2018, p. 183-184).
Nesse contexto, verifica-se que a teoria da ação final não é apta a fazer frente a lesões impingindas sobre bens jurídicos coletivos e difusos, nos quais pode haver uma pluralidade de autores e de condutas dificilmente individualizáveis, em que não se pode perquirir acerca do aspecto subjetivo de cada integrante. Nesse contexto, na seara penal, emerge o funcionalismo com sua nova abordagem aos riscos da sociedade e aos emergentes interesses coletivos e difusos, concomitantemente ao saneamento das deficiências da teoria finalista. O reconhecimento desses riscos leva a um caráter penal preventivo, em que se mostra necessária por vezes a incriminação de atos preparatórios e a edição de crimes de perigo abstrato.
Nesse contexto, em razão da manifesta insuficiência da teoria finalista na atualidade, o objetivo dessa pesquisa é demonstrar a relevância das principais teorias funcionalistas para fazer frente às novas formas de criminalidade atual, propondo-se uma superação do paradigma precursor. Busca-se propor a adoção das vertentes funcionalistas mais consentâneas com o Estado Democrático de Direito sem, contudo, impor uma visão maniqueísta e absolutamente excludente no tocante ao funcionalismo sistêmico, visto que todas são aptas a trazer influxos penais relevantes na sociedade de risco atual.
Dentre diversas teorias funcionalistas, destacam-se três: a) funcionalismo teleológico racional de Claus Roxin, marcado pela inserção de concepções político-criminais na ciência penal, em que adquire relevância a teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas (CAMARGO, 2002); b) funcionalismo social de Winfried Hassemer, quem propugna a consideração da realdiade social, muito influenciado pelos estudos sociológicos de Talcott Parsons; c) funcionalismo sistêmico, defendido por Günther Jakobs, a partir da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, por meio do qual propõe a principal função do Direito Penal como a orientação para o convívio social, de modo que a pena possui o escopo de negar o questionamento à norma, em reforço ao funcionamento do próprio tecido social.
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